sábado, 17 de setembro de 2016

Opinião: Símbolos e arquétipos coletivos em "Velho Chico"

Novela da Rede Globo foi pródiga em utilização de símbolos muito conhecidos na cultura nacional

Belo Horizonte, 
Na verdade, o tema da novela reflete o que está ocorrendo na realidade / Reprodução

A novela da Rede Globo “Velho Chico”, de Benedito Rui Barbosa, exibida no segundo semestre de 2016 foi pródiga em utilização de símbolos muito conhecidos na cultura nacional. O tema da novela é a vida ribeirinha e os traços culturais dos sertanejos do médio e baixo São Francisco. Nesse palco imenso desenvolvem centenárias lutas entre potentados coronéis e os barranqueiros. A dificuldade de vida de pescadores e agricultores provocada pelas apropriações indevidas do trabalho e da natureza.

O personagem principal é Afrânio Sá Ribeiro, herdeiro de uma grande fortuna feita com o sacrifício dos demais habitantes da região. Já nos idos de 1990 conseguiu instalar-se nas proximidades da fazenda dos Sá Ribeiro outro fazendeiro com o nome de Capitão Rosa. Por causa de sua mentalidade social-humanitária e politicamente correta, Capitão Rosa entra em violento conflito com os Sá Ribeiro. Para acentuar as diferenças entre os dois personagens, o autor usou símbolos nos vestuários e cobertura de cabeça dos personagens.  Ele vestiu Afrânio de uma longa casaca verde, gravata azul, calça e lenço amarelos, cores sugeridas pela bandeira do Brasil. Antes de ser símbolo nacional, essas cores representavam a Casa Real de Bragança da qual fazia parte Dom Pedro I. Mas ele tem fita preta na cúpula do chapéu, que simboliza o poder, a tradição e a superioridade.

Carlos Eduardo, deputado federal e marido imposto à Tereza, usa roupa e bigodes pretos. Na filmografia americana, quando o personagem usa bigodes, quase sempre é vilão ou mau caráter. Carlos Eduardo se torna o vilão da história. Propositadamente, a figura de Carlos Eduardo tem semelhança com Hitler. Encarnação, a centenária matriarca dos Sá Ribeiro se veste de roupas pretas e tem a cabeça sempre coberta com um véu negro. É a personagem mais orgulhosa e perversa do folhetim. A figura de Encarnação é uma versão do arquétipo coletivo da bruxaria.

Do outro lado, o Capitão Rosa aparece com roupa de trabalho e um lenço vermelho atado sobre a cabeça. Seus herdeiros (Dos Anjos), em sucessivas gerações, usaram esse distintivo. A cor vermelha simboliza o amor, a ação, o movimento e o arrojo.  Outro símbolo muito forte na família Dos Anjos é a água. Os personagens aparecem fazendo amor no rio, debaixo do chuveiro e na chuva. A água simboliza a origem da vida e a purificação. Esses símbolos acabam sendo vetores ideológicos. Inconsciente coletivo e ideologia são irmãos gêmeos. Adotamos crenças, opiniões sem saber de onde vieram, sem pensar em suas causas e motivos, sem avaliar se são ou não coerentes e verdadeiras. Enganando o povo com símbolos pátrios e místicos, os Sá Ribeiro conseguiram dominar toda a população da cidade e impor todos os cargos públicos nela existentes. Na verdade, o tema da novela reflete o que está ocorrendo na realidade.


Enrolado em uma bandeira do Brasil, o deputado Caio Nárcio votou a favor do impeachment de Dilma Rousseff, na sessão da Câmara dos Deputados de 17 de abril deste ano. Disse que votava “sim” porque se espelhava em seu pai, modelo de honestidade. Ao terminar seu discurso, Caio foi muito aplaudido. Na semana seguinte, seu pai foi preso por crime de corrupção. O símbolo nacional tem servido para reforçar e “legitimar” esse tipo de atitude. 

Antônio de Paiva Moura é docente aposentado do curso de bacharelado em História do Centro Universitário de Belo Horizonte (Unibh) e mestre em história pela PUC-RS. Antônio de Paiva Moura é docente aposentado do curso de bacharelado em História do Centro Universitário de Belo Horizonte (Unibh) e mestre em história pela PUC-RS.
Fonte: Brasil de Fato

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